sexta-feira, 29 de maio de 2009

Era de noite quando alguém se apercebeu,
Mas era tarde de mais
Havia silêncio e sombras e mais silêncio
E ainda assim era tarde de mais

Ninguém anteviu, nem o podiam fazer
Talvez porque o silêncio fosse demasiado,
Talvez porque estava tudo calado,
Talvez fosse um ambiente demasiado sossegado.

Bastava um grito, uma voz, um sussurro
E muito provavelmente tudo abrandaria
Mas a força das mãos é enorme
E a da conformidade ainda maior.
E eu,
que sinto mais do que os outros
Sinto que não sinto o suficiente
E só me satisfaço
Quando me embaraço
Chamando aos outros loucos
Sendo eu o demente

Drogo-me com a tristeza que me corroí
E disfarço tudo de extroversão
(e no entanto,
é uma faca que me prende o coração)

Se estar vivo é sentir dor,
Então eu vivo mais que todos
E vivo de todos os modos

Mas se eu finjo o sentimento
Será que estou vivo por fora
e morto por dentro?
Como tudo me chateia


Tudo é aborrecido, igual, sem cor
Os sentimentos são semelhantes
Seja alegria, seja dor
E todos os pensamentos são dilacerantes

É tão entediante esta agonia
Que sinto e conheço
E deus, se existes
Eu a ti te peço:
Transforma a noite em dia
E o tédio em verso

O Verdadeiro

Não consigo ser verdadeiro
Finjo amor e finjo ódio
Finjo não querer ser o primeiro
Finjo não querer ser último
e finjo não querer estar no meio

Crio a minha tristeza
Enquanto crio esta alegria
Finjo um estado de euforia

Actuo diariamente
Finjo sanidade
Faço-me demente

Finjo de noite e de dia
Finjo desleixo e primazia
Finjo regras,
porque vivo num estado de anarquia

Finjo vida,
porque sou morte

Finjo o fingimento;
E até finjo ser verdadeiro

O Poema

O problema da poesia é racionalizar sentimentos
Tentando dar-lhes características humanas
Pensando o que as palavras vão significar
Em diferentes momentos
Mas palavras são apenas palavras
E nada mais

Os poetas enganam-se,
Alguns mentem;
Usam recursos de estilo
E estilizam-se com recursos;
Enganam-se os poetas...

Antíteses, hipérboles e metáforas não transmitem nada

E eu,
Sofrendo com felicidade,
Sou o melhor de todos os tempos,
Sou palavras
E cometo os mesmos erros.

Imortalidade

É impossível dizer ao certo
Se a morte tem um espaço físico ou não
Mas afastando tudo o que está por perto
Obtemos uma breve demonstração


Na impossibilidade de manejar a essência,
de senti-la, de acaricia-la
Podemos apenas ser nós e gostar
e fazer a diferença e,
acima de tudo,
nada aceitar.